FILOSOFIA TROPICAL
A Mário, ares nordestinos,
Ditirâmbicas brisas, revigorando a manhã.
Passagem livre pelas portas bem trancadas.
Idéias tranquilas em trágicos desenlaces.
A Carlos, alegrias carnavalescas.
E dionisíacos arautos nas tardes de pensar.
Eterno retorno ao sorriso que ensinaste a ostentar
Imagens puras de purpúreas artes.
A José , a atmosfera dos bares,
E as vitórias mais poéticas que uma vida tivesse.
Ampla visão da montanha, sonhos que enaltecem.
Sons suaves e hinos de novas claves.
A Jacó, um samba sobre o infinito
E lépidas esperanças no caos que cria o sereno
Assista em teu peito perene a dócil beleza dos dias
Ritmos nobres e danças de novos mares.
SCRIPT DA HISTERIA
Os seres acorrentados às casas
As casas presas à Terra
Estiram-se os braços ao toque frenético
Da ponta dos dedos.
Os malditos explodindo suas gargalhadas
Portas batendo.
Casais delirando sincronizados.
A loucura com todos os matizes.
Os paraísos chamam para si,
Os infernos chamam para si,
E os ânimos se perdem.
O imoral reza em temor e candura.
O moral mata com prazer e licença
As árvores conversam entre si num tittle-tattle,
E deixam de estalar os beijos públicos
Os eu-te-amos petrificam.
Ligam a TV e viajam o globo
Estirados no sofá
Da mesmíssima sala de estar.
SAMBA-CANÇÃO
Asma contra o céu
Céu contra a asma.
Vai e vem o fôlego
Lembranças de vilas.
Será sempre uma fuga
De si mesmo e do mundo
Achar-se sem nome
Em dias de esperança.
Distribuir os monstros
Da velha História
E refrear o poeta
Que queima sua pena
Em atrito papel.
Célticos gestos
Formatos de rostos
Familiares e à parte.
Arde a saudade
Da imaginável Liberdade,
De flagrar feminil,
No monumento quase-humano,
Um homem a sentir,
Um homem a temer
Um homem a chorar.
Febre contra a chuva
Chuva contra a febre,
Que a virgem aldeia é hibérnia
E o lado tecnicolor
Do meu pensamento
Tem chaves e fechaduras rijas.
O delírio ora embala
Ora lobotomiza.
Isto que se ouve é só o eco,
A voz original é matutina
Será sempre um lamento
De quem sonhou e acorda
Para os desencontros do dia.
Ó – uma ideologia
Tomando as vísceras
E formulando as vontades.
Ó – preparam-se anjos
Pra perderem suas asas,
Suarem globalizados,
Integrarem-se democraticamente.
Eita! Que as ilusões da grana
Forçam a mentir o ser honesto,
Já cansei de dizer que não presto,
Pra canalizar almas.
Canto para os homens pássaros, marinhos...
Sinto para as mulheres répteis, felinas...
Festas, turmas proibidas,
Penso para que o tempo passe.
Toda verborragia é pouca
A quem fez isso com o mundo.
Não ouse perguntar “Isso, o quê?
Por entrelinhas, nenhum poeta se culpa.
Estrelinhas que oscilam no céu,
Não odeiem a Dalva, nem o sol nem lua.
As revoluções que fizerem
Vão deixar o céu horroroso.
Estrelinhas que oscilam burguesas
Sejam sempre estrelinhas,
Nunca vai se apagar
O brilho falho que ostentam
Nunca vai se apagar.
Taquicardia contra o amor
Amor contra a taquicardia.
Tudo o que fazem os arranha-céus
É se penetrarem para o orgasmo,
Querem o orgástico bigue-bangue
Na eterna mimese de “Deus”.
A farra tão passageira,
Canhestra farra a diesel
Anexa terras a farra
Que os passos nunca alcançam.
Do outro lado, um silêncio
De tardes primaveris.
Sorrisos contidos nas naves
E os sambas-canções emboloram
No fundo da gaveta dum closet.
POEMA DE ALÉM-MARTE: AOS NAVEGANTES DO FUTURO
Para esquecer todas as palavras alheias,
Ver, numa tela, toda a literatura recriada,
No escuro do próprio ser,
Onírico cinema de cenas e sons,
Do pulsar do próprio sangue.
Para desprezar as acusações dos semáforos
De que é preciso amor pra parar no caminho.
Porque tudo o que passa de um é uma ácida ilusão.
Um mais um são uns abraçados no ar
Antes de soltarem os paraquedas.
Para purificar ainda mais ainda o que já está puro
Para as manhãs de sol e céus sem nuvens.
A sexualidade entre os pés e o solo (em choque)
Ultrajando as morais e as mais morais das morais.
Rebolam-se, requebram-se, balançam-se as saliências do corpo,
Os cabelos, os braços, rebolam-se. Arse ‘n’ boobs.
Para entender todos os signos do blá-blá-blá
E fingir que Zaratustra jaz nos vácuos.
Porque somos só superstições,
Somos só abstrações,
Só éteres,
Bolinhas de sabão.
O MACRO-AMOR
Um encontro de idéias paralelas
E o brilho nos olhares que se buscam.
Eu te amo
Em todo o entrelaçamento possível das solidões,
Em todo o ar expirado a partilhar os ares do mundo
Na pura nobreza das ruas encardidas, sem destino.
Na profunda tristeza impregnada nas atmosferas palacianas.
Virginal impulso no afã de imortalizar a sua essência.
Amor surgido da trágica parafernália do tempo.
Amor perenal e invicto – imune a toda ira (sua) repentina
Com seus vestígios nos meus gestos, nos meus passos, nas minhas palavras
A linguagem com que me leem do topo dos montes e do fundo dos infernos.
Um estratosférico sim orgástico aliviando.
Macro-amor desenhado no destino.
Amor desixorribonucleicamente composto
A nutrir-se da lembrança do seu perfume, da sua voz, da sua pele – sua possível imagem.
Eu te amo
Para além dos espirais dos seus cabelos,
Para além dos seus fluidos no meu corpo,
Livremente para o que possa sentir
Enquanto nossos olhares se buscarem.
O RIDÍCULO
O ridículo abre a porta e invade o espaço.
Como é bom rir, dando vazão à utilidade.
Mas o ridículo é tão inútil.
Mas o ridículo é tão hipócrita
Que já não cabe em nenhum ambiente.
Com o tempo, quando ele vencer pelo cansaço
Do seu fedor de nicotina,
Do seu olhar doente e distante,
Do seu silêncio avaro
E sua voz tão sublime e econômica,
Sucumbiremos a ele compadecidos.
Ele, tão inerte,
Tão pernóstico,
Tão underground,
Fará de conta que é amado,
Mais do que faremos que o amamos.
Oh, meu “Deus”, por que esses seres horripilantes resistem tanto às conspirações? Não disseste que a nossa voz era a Tua voz? O que faremos com essa criatura que não ouve voz alguma, como se os seus sentidos subitamente ficassem suspensos a uma altura que não alcançamos?
O ridículo saiu e não percebeu absolutamente nada!
TITÂNICAS SAUDADES Diz, meu monstro escondido. Que queres dizer? Que és nascido na barbárie? Isso a mim não é novidade. Diz algo novo, meu monstro. Sei que quando falas és nutrido De uma esperança de ser, Mas adianto: não serás. Quero apenas que me contes A tua chateação deste momento, O que se passa no teu duro coração, As imagens que vês, trancado no escuro. O que pensas em destruir, A alegria que tentarás corromper. Diga, meu monstro escondido, Que queres lamentar? O impossível elogio da tua utilidade? Tu és a fonte de toda espécie de vergonha. A moral à espreita Tenta distinguir-te, Tenta extinguir-te. Tu não tens lugar no mundo sem arte. Seria preciso enlouquecer metódico. Seria preciso desistir por completo de respirar os ares da vida Para que tu assumisses o poder que me pertence... Mas rezam os ecos da natureza: “Os monstros são os meus anjos na escuridão.”
POEMA DE AUTOAJUDA
Noi siamo tanti
Que pensamos em coro
E andamos depressa
Procurando a mãe
Protetora de embriões.
E dizemos em cruz
O de pura libido.
E corremos sedentos
Ao que está proibido,
Laboratoriais,
Feitos marionetes
De quem guarda mistério.
Pelas ruas tão sérios
Com sorriso no peito
Disfarçado em pranto,
Nós sentimos, no entanto,
O próprio medo de sentir.
Noi siamo tanti
Que a solidão nos assusta,
E procuramos os pares,
Os ímpares e os lugares.
Queremos ser populares,
Mas somos rara escultura,
Perenes numa cultura
Ciclicamente estática.
Nossa memória inativa
Faz crer no bom dos dias.
O sofrimento, o vazio
Caem no esquecimento.
Fica da vida um momento,
Soma de todos os instantes
Em que pudemos cumprir
O eterno direito de ser feliz.
RODA QUADRADA
Procuro em meu ser um poema
Limpo e irretrospecto,
Doce e útil,
E não encontro.
Um pedaço de pensamento
Livre de mim mesmo,
Flutuante como plumas ao vento,
Leve como os anjos voláteis.
Procuro em mim mesmo um poema.
Preciso dum poema virgem.
Fora de qualquer movimento,
Além de qualquer momento
Sem a lembrança do vivido,
Descrevendo um jardim florido
Por força dum fenômeno novo.
Preciso dum poema morno.
Pudera escrever sorrindo
O de se ler ou sentir
Com um sentido só de agora,
De nova arte imensa aurora,
Um verbo fino e irredutível,
Nem tão feliz nem tão triste
Um tal poema eu sei que existe.
Deixe de reter o teu gesto,
Já ouço o teu suave sussurro
E sinto o teu perfume daqui mesmo.
Da minha solidão ao teu seio
Há apenas um desejo e um anseio.
Tu, que lânguida chama
Eu, que te afago a pele
Tão virgem do meu toque.
Nós: duas forças em choque
Num calor que se iguala
Depois do súbito contraste,
Experimentamos juntos o alívio de um sonho bom.
TRAIÇÃO IN VITRO
O céu azul amplo indecifrável
Cala-se na própria infinitude
Assim como faz a minha alma
Que pode esconder um anjo
Ou pode alimentar o monstro,
A ti em silêncio se dirige
E permite apenas o tom esquivo dos atos.
Que se pudesses conhecer tão vis segredos...
Que se não fosses tão frágil recipiente,
Se não houvesse em teu olhar a luz da ira,
Eu daria a minha essência clara e pura
Para unir-se à tua tão invicta.
Porém, o céu azul amplo e indecifrável
Cala-se na própria infinitude
Assim como faz a minha alma
Que a ti em silêncio se dirige.
ECCE HOMO
Eis que ao sentir a vida tão intensa,
O Belo avança e toma o intelecto
E ao caos do mundo faz surgir um nexo
Resulta-me a razão por fim suspensa.
As sensações do talhe que só pensa,
Ouvindo os sons distantes e incertos,
Vendo na multidão só os espectros
Transformam-se em idéia que convença.
E faço do que sinto o possível,
O exato: matemática, e anseio
Por tudo repetir e nada crio.
Então, o Belo de ininteligível
Da lógica respira e se faz feio
Qual flor que em poucos dias perde o brio.
O LENÇO PERFUMADO
Vil serventia do perfume desse lenço,
Que em meu corpo opera vã sinestesia,
Pelas narinas vem e toma a minha mente,
De onde foge e vai bater com o coração.
Por fim cardíaco faz lembrar ser intocável
A pele prenhe que o ostenta pelos ares.
E me fascina o rico lenço enxovalhado
Simbolizando um amor tão impossível.
Até que o tempo surge e deixa só o lenço:
Leva o perfume e então no pano é só vontade.
MELANCOLIA
Ser livre e sorrir
Na amplidão de um sonho.
Ser leve e voar
No finito entardecer.
Toda felicidade que se busca é interna.
Lá vai o homem feliz e sem face
Com o seu eu perdido entre amar e não amar,
Na pura angústia de ser não sendo.
Toda existência que se move é eterna.
Ele quer se distinguir de si mesmo
E encontra um outro em si, que acena.
Ele já não pode ir nem ficar.
Sua leitura de mundo é confusa,
Seu silêncio é uma orquestra,
Seu pensamento o seu algoz.
Seu delírio emerge dum reles acontecimento
E ganha dimensão extensa.
Quiçá uma carícia,
Quiçá um abraço,
Quiçá um beijo,
Quiçá um orgasmo
Seja o marco dos seus dias.
Morrerá e será esquecido.
Antes, porém, sofrerá.
Antes, porém, sorrirá.
Antes dará festas homéricas.
De um gozo a outro vai pensar.
E projetar edifícios,
E comandar soldados em guerra,
E derrubar o arquiinimigo
E conquistar territórios.
Tudo às cegas,
Tudo às pressas,
Tudo se repete.
Ser livre e sorrir
Na amplidão de um sonho,
Só assim será um rei,
Pois quando acorda
Se perde,
Se ama,
Se odeia,
Se escraviza,
Não tem nome,
Não tem sangue,
Não tem raça
Não se enxerga sequer ao espelho.
SOB O CREPÚSCULO
Homem feito, ele reencontra Luciana.
Mais do que sonha
Sai da boca dela,
Emana dos seus gestos.
Despe-se ela da coroa
Que lhe dera a infância.
No negro de sua veste,
Na indiferença de sua voz
Morre um encanto
E surge um glamour novo,
Como se sua alma
Ganhasse nova tez.
Como se se transformasse
No que ele mais queria:
Numa possibilidade,
Num prenúncio de bem-aventurança,
O amor mais vivo que se viva,
Posto que de amantes à parte,
Dado que inocentes não se saibam.
Mais do que ele pede,
Luciana mostra no olhar,
Pela destra marca do seu rosto.
Cada palavra sua
É para ele grande novidade.
O que projeta ele agora
Depois de vê-la só pessoa?
Menos pessoa torná-la
Como se fosse o próprio tempo?
Não, não, Luciana cresce,
Ergue-se numa montanha,
Perde-se em amores efêmeros,
Busca o céu nas alturas,
Tece cada passo do destino,
Não se percebe adorada
Como uma abstração.
Quer a realização própria,
Distância de muletas humanas.
Cresce Luciana sóbria,
Ágil até no sentir
E invicta de paixões ardentes.
O homem feito reencontra Luciana,
Alma perenal do amor mais antigo,
E ajusta a desordem de sua cabeça.
Sabê-la era um fascínio,
Amá-la era um deleite,
Cantá-la uma devoção,
Revê-la foi um delírio.
O homem estagnou
Ficou na sonífera ilha,
Pensando, relendo e sentindo
Os calores do espírito,
O ritmo da memória.
Negou anos de aventuras
Para adorá-la em paz
Agora, porém, o que temos:
Luciana, solitária, amada,
Esse homem, solitário, amante,
O destino a lançar as cartas
e o tempo assistindo a tudo.
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